quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Selma do coco reina e dá gargalhada


Artista viajou com seu grupo pelo Brasil, Europa e Estados Unidos; o"rá-rá!" é a marca registrada de seus shows Foto: Júlio Jacobina/DP

Bodas de ouro // Rainha do ritmo de raízes africanas lança, depois do carnaval, álbum comemorativo dos 50 anos de carreira artística

Luciana Veras
Da equipe do Diario

Selma Ferreira da Silva tem 72 anos, cerca de 1,55 metro de altura, um filho e mais de 15 netos. Só de Olinda, na mesma casa, lá se vão 49 anos; antes, morou por quase 15 temporadas na Mustardinha, para onde foi depois de sair de Vitória de Santo Antão, no Agreste pernambucano. Na vizinhança, no bairro do Guadalupe, colado ao Amparo, no Sítio Histórico de Olinda, todo mundo a conhece, mas não é pelo depósito de bebidas que seu filho mantém, nem pela cordialidade com que cumprimenta todos ou pelo sorriso democrático que teima em não sair do rosto. É porque ela, em cima do palco, vira Selma do Coco, a rainha do ritmo de raízes africanas, que depois do carnaval lança seu novo álbum, Dona Selma - Bodas de ouro com o coco.

Gravado no Fábrica, com incentivo do Funcultura e produção de Lígia Verner e de José Ferreira, o Zezinho, Dona Selma - Bodas de ouro com o coco terá cerca de 20 faixas, das quais nove inéditas, como A rosa e Parece que és cantador, e a base cadenciada, entre surdos, pandeiros e ganzás, do coco. "O coco é um trabalho importante, do tempo da escravidão, que eu aprendi andando com meu pai e minha mãe pelos sítios do interior, onde o povo andava, chegava, cantava, comia uma buchada e depois tomava banho no açude. Agora naquele tempo se cantava o coco mais nas festas, hoje não, eu canto coco no carnaval, no São João, no fim de ano", conta dona Selma.

Ela fala da felicidade que sente ao trabalhar e dos amigos que mantém com carinho, como Mestre Salustiano, Aurinha do Coco, Lia de Itamaracá ("abuso é muito com ela!"), mas libera algumas lágrimas quando pensa em episódios passados. A morte do marido, por exemplo, que a deixou viúva cedo e a obrigou a trabalhar - foi tapioqueira no Alto da Sé por mais de uma década; os filhos que teve e morreram "antes do tempo"; e a vida dura na Mustardinha, relembrada na canção Minha história, que Zezinho, seu filho, entoa, e ela se emociona. Mas a risada famosa - rá-rá! - e marca registrada de suas apresentações retorna à conversa logo."Meu sonho é ter o trabalho mais valorizado e deixar tudo para meu filho viver direitinho, mas eu não queria fazer nada diferente não. Queria ter vivido tudo que vivi. Agradeço a meus amigos, ao carinho do público, ao sete músicos que tocam comigo. É por causa deles que já viajei muito, pelo Brasil e pelo mundo", diz. Na França, foram três vezes, "e não entendo nada do que eles falam, mas sei que bonjour é bom dia"; na Alemanha, foram dois meses de estada, "e eu nem mexia no relógio, passei o tempo todinho vendo a hora de cá", relembra. O reconhecimento é no planeta inteiro - durante a sessão de fotos, ela é abordada por um grupo de turistas italianos na Igreja da Sé - porém foi o Brasil que a tornou comendadora.

Em novembro passado, ela recebeu a Ordem do Mérito Cultural das mãos do presidente Lula e do ministro da Cultura Gilberto Gil. E o que acha do Brasil, de Pernambuco, de Olinda? "Tá tudo bem, maravilhoso, Olinda tá bem", responde. Selma do Coco parece que evita a política, mas por outro lado tem propriedade suficiente para avaliar a cidade onde mora. "Quando trabalhava no Alto da Sé, fazia o coco lá mesmo, aí depois começamos a tocar no Eufrásio Barbosa, conheci Chico Science, depois fomos tocar na Ribeira, era muita gente, todo mundo gostando", emenda. Sua voz soa menos potente do que ao microfone, no entanto igualmente convidativa. Na Sé, esbarra em vizinhos e fãs, que a celebram com um rá-rá!. "Queria estar com o disco pronto agora, antes do carnaval, para poder distribuir, tem tanto amigo vindo do Rio, de São Paulo", lamenta, mas sem tirar o riso do rosto.

FESTA DE MOMO, TEMPO DE TRABALHO PARA TRUPE

Bem, o disco não sai antes do carnaval, mas quem disse que Selma do Coco evitará a folia? "Assim, eu não agüento ir andando daqui até o Amparo a pé, o calor tá demais, mas de carro eu vou até os Estados Unidos", brinca, citando o país que de fato visitou em 2001 - esteve em Nova Orleans bem antes da catástrofe do furacão Katrina - e que considera "o lugar mais bonito do mundo". Ela e sua trupe de coquistas trabalharão no tríduo momesco fazendo o que lhes dá mais alegria - "cantar pras pessoas ouvirem e dançarem".

"Em Paulista, dona Selma estará no dia 30. Toca em Peixinhos também, aí no domingo de carnaval o show é em Chã de Estrelas. Já na segunda, ela vai para Goiana e também toca em Jardim São Paulo. E na terça, vai para Aliança", informa o produtor e primogênito Zezinho, que se descreve como "empresário, compositor das letras e a pessoa que arranja tudo para ela". A pergunta se insinua naturalmente: não se cansa? "Que nada. Até porque agora não bebo e não fumo, já fumei e bebi demais, bebia de tudo, sem parar, mas faz 14 anos que deixei", rebate.

Ela avisa que na Quarta-feira de Cinzas, às 20h, sai de sua casa, em Guadalupe, o bloco O coco da ressaca, "que é para o povo vir brincar mesmo, porque o coco cura a ressaca de qualquer um". Depois, é roda de coco "de 15 em 15 dias". Dona Selma assume que só tem medo de uma coisa: "de cobra, misericórdia". E que a morte não lhe atemoriza: "Porque de um jeito ou de outro, todo mundo morre. Não tem boquinha não, a morte não é coisa boba, mas também não vou ficar esperando, né?". (Luciana Veras)

http://www.pernambuco.com/diario/2008/01/31/viver1_0.asp

Nenhum comentário: