sábado, 31 de janeiro de 2009

Sucessores diretos de Salu


Quando a cultura pernambucana ficou órfã do Mestre Salustiano, em agosto do ano passado, de modo instantâneo
Foto: Alcione Ferreira/DP/D. A Press


Michelle de Assumpção // Diario
michelleassumpcao.pe@diariosassociados.com.br


Eles cresceram brincando de maracatu, mamulengo, cavalo marinho e ciranda; hoje passam adiante, em muitas frentes, o saber que herdaram do pai todo seu legado foi transferido para os onze filhos que foram sua primeira plateia, seus alunos mais aplicados. Ao receber em 2007 o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco, Salu tinha como responsabilidade repassar seus conhecimentos às futuras gerações. A tarefa já vinha sendo feita. Não só nas oficinas de rabeca e cavalo-marinho que passou a dar no espaço cultural Casa da Rabeca (fundada por ele na cidade Tabajara, em um enorme sítio, que loteou em hectares para cada um dos filhos). Salu já era professor dos meninos desde que eram crianças. "Ele não tinha dinheiro para dar conforto, mas gostava de filho dentro de casa. Ele saía e a gente então ia brincar com os instrumentos e as fantasias, quando chegava, dizia 'não é assim não menino', e vinha mostrar como era", conta Imaculada. Não havia brinquedos de loja. A diversão era brincar de tudo o que o pai mais sabia fazer. E não foi pouco: maracatu, mamulengo, cavalo-marinho, boi de carnaval, ciranda, pastoril.

Salustiano não deixou um sucessor; ele dividiu sua sabedoria com todos os filhos que criou depois que as respectivas mães foram embora. Todos os que hoje trabalham para manter os folguedos são unânimes em dizer que não perderam somente o pai, mas um comandante. Salu dava tarefa a todos os filhos, hoje, são eles próprios que se pautam para dar conta de tudo que foi construído com muita paixão, trabalho, persistência. O mais velho, que leva o nome do pai, continua na presidência do maracatu rural Piaba de Ouro e da Associação de Maracatus de Baque Solto de Pernambuco. Tem também um negócio de confecção de golas e estandartes. No último ano, fez mais de dezesseis para diversos blocos e troças que vão desfilar no Carnaval de 2009.

"Depois da sua morte teve uma reunião aqui e dissemos, 'não vende nada aqui, não se divide nada, só continua o que ele deixou'. Estamos mais unidoshoje, pois nos falamos todo dia para saber o que cada um está fazendo. E vai continuar assim com a proteção de Deus. Ele dava muita confiança e hoje temos que fazer correto", diz Manuelzinho, que também é conhecedor de tudo que acontece dentro de um maracatu rural. Já puxar as loas foi uma tarefa que ficou mais no dom dos irmãos Dinda (exímio tocador e criador de rabecas), Maciel e Cleiton (também luthier de rabecas).

Pedro Salustiano assumiu o lado articulador e político de Salustiano. Hoje é ele que está à frente dos projetos, das captações de recursos, e do fechamento da agenda dos principais produtos culturais da família: a banda Família Salustiano e a Rabeca Encantada, o palco da Casa da Rabeca, além do seu próprio espetáculo. Pedrinho é dançarino e comanda o solo Samba do Canavial. Também dá oficinas de dança para dançarinos contemporâneos e populares. Entre eles, a trupe de Antônio Carlos Nóbrega.

"Nunca tomava uma decisão sem consultar ele. Por que era a visão dele, o que ele achava. Ele era a referência de tudo que a gente fazia. Agora é a gente e a gente mesmo. Mas ficou todo muito unido e empenhado cada um no seu seguimento, na sua diretriz, coisa que foi preparada por ele", depõe Pedro. Junto com as irmãs Imaculada, Bethânia e Mariana, e o irmão Cristiano e Dinda, ele toca a produção da Casa da Rabeca, o que inclui a complexa administração de um bar.

Imaculada, além da produção da casa, é professora de dança numa ONG e agente de preservação ambiental da Prefeitura de Olinda. Atualmente, ela e os irmãos produzem juntos um receptivo que diariamente ocupa o saguão do Aeroporto dos Guararapes, apresentando músicas e danças da cultura popular do estado aos turistas que chegam. "A responsabilidade é maior, ainda temos irmãos pequenos e solteiros para cuidar, vamos dando continuidade, cada um na sua área", diz a moça.

A continuidade inclui o repasse aos mais novinhos da família. Gabriel, 3 anos, filho de Imaculada; Beatriz, 6 anos, caçula de Mestre Salu e Ana Terra, 7, uma das filhas de Maciel, são algumasdas crianças que já brincam no sítio dos Salustiano com adereços do cavalo marinho, pandeiros, ganzás e rabeca. "O pai tinha feito uma rabeca pra ela, mas ficou grande, agora Dinda e Cleiton vão fazer uma menor", conta Imaculada sobre a irmã caçula. Mesmo os que não estão diretamente nos projetos da Casa da Rabeca - que foi a menina dos olhos de Salustiano - estão diretamente envolvidos com sua herança cultural. Maciel Salu, que herdou semelhança física, timbre vocal e o gênio do pai, tem seguido uma trajetória mais particular. Faz show solo e é dos integrantes da Orquestra Contemporânea de Olinda. "Muita gente acha que só tenho esse trabalho, mas ando muito pelas sambadas do interior, estou correndo atrás do trabalho de alguns mestres, como Zé dos Passos, de Goiana. Produzi e estou finalizando o CD dele, que é parceiro meu em algumas músicas", conta Maciel.

A atividade não para na Casa da Rabeca. Quem não está tão envolvidos em projetos, é pelo menos o caboclo de lança do maracatu, como Gilson (funcionário da Prefeitura de Olinda). Pode também brincar de Mateus e bordar golas, como Cristiano. Ou dar oficinas de dança e ter um salão de cabeleireiro, como Bethânia. "Cada um tem a sua bagagem, o mais importante é zelar pelo patrimônio cultural que ele deixou", conscientiza Maciel.


http://www.diariodepernambuco.com.br/2009/02/01/viver7_0.asp

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